terça-feira, 8 de março de 2011

Sete poemas de W. B. Yeats

William Butler Yeats (1865-1939) foi daqueles raros poetas que, não satisfeitos em fechar uma era e iniciar outra - no que dominou dois estilos de poesia tanto quanto díspares -, emergiu com voz própria, a maior do século XX na língua inglesa segundo Haroldo Florescência.

Quando jovem, ole Billyum crammed with toil no que aprendeu a versificar com os vitorianos tardios (William Morris), o pré-Rafaelitismo e os poetas da décadence, a 'geração trágica & doentia' dos poemas de salão, do esmero formal e da boemia; os simbolistas vertidos em inglês por Arthur Symons em The Symbolist Movement, aquele mesmo livro que apresentou Jules Laforgue a T. S. Eliot. Frequentou, com Symons, o Rhymer's Club londrino: formou-se, embora irlandês, mediante os escolhos bretões. Tematicamente, influenciaram-no a mitologia nórdica-celta, que viria a se transformar numa espécie de patriotismo após a revolução de 1911; o romantismo inglês, em especial Shelley e Blake; uma acepção bastante pessoal do platonismo; e, tardo, a teologia de Swedenborg e a filosofia historista de Vico. Porém, acima de qualquer Irlanda ou tradição, alheio a qualquer promoção pessoal, Yeats preocupava-se com a poesia.

Sua produção de juventude, da qual o épico The wanderings of Oisin é o primeiro livro, contempla personagens míticos. O herói Cuchulain, a condessa Cathleen-ni-Houlíhan, Aengus, Oisin o velejador, estão eivados nas paisagens naturais do condado de Sligo, onde o poeta passou sua infância. Utilizando elementos lendários, Yeats realiza tarefa dúplice, a de animar uma identidade notavelmente irlandesa ao passo que afirma a 'velha supremacia' da imaginação frente à realidade prosaica. O poeta era um idealista: costumava nomear-se o 'último romântico'.

Embora tenha publicado primeiramente um epílio, e eles composto noutros momentos de sua vida, será como Crossways (1889), prima coleção de versos líricos, que firmará seu nome na arte poética. Confundem-se estes versos lustrados com o movimento, nos fins do séc.XIX, do que se convencionou a chamar Crepúsculo Celta (Celtic Twilight) ao ressurgir o interesse pela história & mitologia irlandesa, tangida por linhas nacionalistas: fortalecer a cultura local através da produção de uma poesia 'própria', livre dos ditames da metrópole. Yeats e Lady Gregory estão no fronte deste movimento, em grande parte contínuo do revival britânico da literatura anglo-saxã em décadas anteriores - ambíguo, não há dúvidas. A influência da tradição britânica e a ânsia em criar algo notavelmente irlandês, o embate entre imaginação e realidade, encarnam dois dilemas entre si inseparáveis no jovem Yeats: mad Ireland hurt him into Poetry. Este movimento de 'nacionalização/internacionalização' da Irlanda encontra expressão noutros escritores, de antes e durante, tal J. M. Synge e The playboy of the western world; e cristalizou-se naquela obra que fixou a insula erigena no mapa da literatura, a mais cosmopolita e provincial de todas, a justa representante máxima do modernismus: falo do Ulisses.
A citação de Joyce não é mero pedantismo. O poema que se segue, desta primeira fase visionária e idealista, 'decadente' do autor, é aquele recitado, no Retrato do artista quando jovem, por Stephen Dedalus ao leito de morte de sua mãe.

QUEM VAI COM FERGO? (1893)

Quem conduz com Fergo agora,

E pinça a alfombra de úmbreos troncos,
E dança sobre areias alvas?
Desfranze o rosto, jovenzinho,
E lentos olhos, ninfa, os alça,
E aquietas terna e não mais temas.

E não mais fujas nem aquietas
O acro lampejo dos amantes;
Pois conduz Fergo em áureas rodas,
E reina todos troncos úmbreos,
E o calmo seio do mar fosco,
E os andarilhos astros todos.

*

WHO GOES WITH FERGUS? (1893)

Who will drive with Fergus now,
And pierce the deep wood's woven shade,
And dance upon the level shore?
Young man, lift up your russet brow,
And lift your tender eyelids, maid,
And brood on hopes and fear no more.

And no more turn aside and brood
Upon love's bitter mystery;
For Fergus rules the brazen cars,
And rules the shadows of the wood,
And the white breast of the dim sea,
And all dishevelled wandering stars.

Sugestões do ato sexual são incorporados através de movimentos sonoro-imagéticos em versos cujo ritmo iâmbico, assaz sensível em vogais ora graves ora agudas, contribuem ao encanto (artificiosamente) simples engendrado pelo poema. O ritmo poético, definiu-o Yeats em The symbolism of poetry (1900); espécie de transe onde a monotonia do metro regular rompia-se em sílabas fortes, vogais inusitadas, fazendo do leitor hipnotizado e desperto ao mesmo tempo, como se este permanecesse num eterno estado de vigília.

O jovem Yeats encontra maturidade no livro The rose, de 1893. Nele foram publicados, a parte do poema acima, a releitura de Ronsard em When you are old e o bucólico The lake isle of Innisfree ('The only poem of mine which is widely known', diz ele numa gravação duas décadas depois). Sua produção posterior, The wind among the reeds (1899), continua a linha lírico-mitológica em The hosting of the Sidhe e Song of the wandering Aengus, entretanto relampeia traços de experimentação na prosódia, ao que a voz do poeta ganha força nas rimas toantes do soneto He remembers forgotten beauty e no tour-de-force que é o aparentemente singelo He wishes for the cloths of heaven.

O BANDEAR DOS SIDHE. (1899)

O bando corre por Knockarea
E sobre a tumba de Clooth-na-Bare;
Caoilte agita sua crina em brasa
E Niahm chamando
Acá, venha acá:
Teus sonhos mortais os deixa já.
Os ventos sustam, as folhas dançam,
O rosto é pálido, os cachos lançam,
A fronte pesa, os olhos esplendem,
Os braços rugem, os lábios fremem;
E se algum fitar tropel avante,
Ficamos entre ele e o feito de seu punho,
Ficamos entre ele e o pulso de seu peito,
A tropa por noite e dia errante,
E donde há maior impulso ou feito?
Caoilte agita sua crina em brasa
E Niahm chamando
Acá, venha acá.

*

THE HOSTING OF THE SIDHE. (1899)

The host is riding from Knocknarea
And over the grave of Clooth-na-Bare;
Caoilte tossing his burning hair,
And Niamh calling
Away, come away:
Empty your heart of its mortal dream.
The winds awaken, the leaves whirl round,
Our cheeks are pale, our hair is unbound,
Our breasts are heaving, our eyes are agleam,
Our arms are waving, our lips are apart;
And if any gaze on our rushing band,
We come between him and the deed of his hand,
We come between him and the hope of his heart.
The host is rushing 'twixt night and day,
And where is there hope or deed as fair?
Caoilte tossing his burning hair,
And Niamh calling
Away, come away.

Segundo o mito, os Sidhe (Aos Sí) são seres semelhantes a fadas - furentes e perigosas, como sói as lendas gaélicas. Habitantes das campinas, a eles são vinculadas diversas espécies: os leprechauns, a banshee, e demais espíritos.

Virado o século, ameaçara Yeats o destino de tantos poetas de sua geração, o de tornar-se relíquia prisca, autor de mero 'interesse temporário', como hoje o é John Masefield. A capacidade de se adaptar e reinventar-se explica a força de Yeats como poeta ao longo de cinquenta anos ativos. Seu ânimo juvenil adquire novos tons ao longo de sua obra, porém nunca é absolutamente abandonado. Abandonam-se não as máscaras mitológicas ou o gosto pelo símbolo, tampouco o combate (Yeats definia a poesia como um 'embate consigo mesmo'), ou a construção imagética em símbolos; abandona-se o lirismo qual Wordsworth, 'carente de coisas longínquas'. Dispõe-se Billyum a extirpar os ornamentos e abstrações de sua poesia.

De fato, o embate entre imaginação e realidade apresenta-se dantes, em The Stolen Child por ex. Daí que a virada trouxe a Yeats aquele tipo de ranço do velho século; dada a representação palpável do entre-séculos na morte da gordota Vitória em 1901, fazia-se imperativo transmudar-se. Dos tumultos entre Inglaterra e Irlanda, da incongruência entre seu ideal de mundo e o sensível, do bom-senso em reconhecer que sua versificação primeira havia se esgotado, e do contato com os modernistas aproximam o poeta da realidade político-social: avivam nele o gosto pelo experimentalismo, pela linguagem de registro popular e irônico. No modernismo, o poeta encontrará a superação do ditame Inglaterra/Irlanda, emergindo com voz unívoca: embora sua poesia seja notadamente irlandesa, de uma maneira que a de Wilde e Shaw não era, vai além disso; sintetiza e sedimenta toda tradição anglófona precedente, e abre portas aos poets to come. Pai e Filho do Modernismo, Yeats flertará com o verso livre; escreverá peças noh (At the Hawk's Well); criará prosódia própria, semelhante ao sprung rhythm de G. M. Hopkins.
O próprio poeta assinalou este rompimento em diversos momentos. Menciono A coat, no qual o afirma haver 'maior proeza em andar despido'. A coat foi publicado em Responsibilities (1914) - obra máxima desta segunda fase -, onde também encontramos seus famosos versos do September 1913 ('Romantic Ireland's dead and gone, / it's with O'Leary in the grave') e as Closing rhymes. Distanciando-se do idealismo efusivo, Yeats aproxima sua imaginação criativa do real - dos problemas sociais de seu tempo - e também das formas elementares, despojadas da pompa parnasiana. Outras são agora suas fontes de inspiração. Entretanto, seu versejar torna-se mais artificioso, próximo àquele 'Alto Modernismo', ou 'modernismo reacionário'. segundo o outro. No combate à alienação do beletrismo, reafirma-se o poder consciente da imaginação e a figura do poeta marginalizado, encarnando velhos valores confrontados com a 'degeneração' da cultura. Terceiro ditame em sua vida e obra, cá no plano político, endurece numa posição aristocrática e pessimista do mundo. Yeats enxerga apenas duas situações nas quais as artes poderiam florescer: uma tradição de mecenato onde duques cultivavam 'gênios', como no Renascimento, e como concluiria também Ezra Pound; ou numa cultura não-materialista, rural, dos bardos criando 'belas histórias e lendas, pois nada têm a perder'. O perigo do escapismo reaperece; o embate imaginação e realidade adquire novos tons, e permanecerá, como maré e ressaca, por toda obra de Yeats.
Reflexão em tempos da Guerra, o poema abaixo fora escrito para Lady Gregory, em homenagem a seu filho, tué par l'ennemi.

UM AVIADOR IRLANDÊS PREVÊ SUA MORTE. (1918)

Encontrarei meu fim no meio
Das nuvens de algum céu sobejo,
Os que combato, eu não odeio,
Também não amo os que protejo;
Kiltartan Cross é meu país,
Seus pobres são a minha gente,
Nada a fará mais infeliz
Do que já era, ou mais contente.
Não é por lei ou por dever,
Turba ou políticos, que luto,
Mas pelo afã de me entreter,
A sós, nas nuvens em tumulto.
Tudo na mente foi pesado:
Nada que espere ou que recorde
Vale-me a pena comparado
Com esta vida ou esta morte.

[In: ASCHER, Nelson. Poesia alheia, São Paulo: Imago, 1998]

*

AN IRISHMAN FORESEES HIS DEATH. (1918)

I know that I shall meet my fate
Somewhere among the clouds above;
Those that I fight I do not hate,
Those that I guard I do not love;
My country is Kiltartan Cross,
My countrymen Kiltartan's poor,
No likely end could bring them loss
Or leave them happier than before.
Nor law, nor duty bade me fight,
Nor public men, nor cheering crowds,
A lonely impulse of delight
Drove to this tumult in the clouds;
I balanced all, brought all to mind,
The years to come seemed waste of breath,
A waste of breath the years behind
In balance with this life, this death.


Yeats nunca foi um homem do povo. Enquanto fosse, no dizer de Edward Said, um poeta da "descolonização", defensor dos direitos de livre pensar e livre dizer, da liberdade de expressão na arte, da soberania dos povos, do direito de trabalho das mulheres e da livre opção sexual; condenava a violência como ferramenta de mudança, e acreditava que o popular não teria capacidade para ser artista: crítico da democracia como muitos intelectuais de sua época, simpatizante do fascismo, Yeats sonhava com uma hierarquia semelhante ao cavalheirismo vitoriano, uma espécie de República platônica onde os valores seriam salvaguardados pelos intelectuais e "os melhores" governariam. Era um homem muito parecido com John Milton: o radical puritano que lamenta jogar pérolas aos porcos. Aristocrata e misantropo, radical nas escolhas individuais mas titubeante quanto a participação social. Incorreu no velho erro de inúmeros pensadores: o de considerar o indivíduo fraco, incapaz de decidir-se por si mesmo, carente de um 'guia' ou 'profeta', como vimos nos ismos vintecentistas, e como ainda vemos hoje nos bastiões universitários.

Antes de Responsibilities, publicara In the Seven Woods (1903) no qual já assinalava o desvio de seu olhar poético, seja na simplicidade da capa-azul do livro, repudiante dos embróglios dourados dos tomos decadentistas, às linhas de The folly of being comforted: nestas, a imagem que o poeta tem de sua amada é desmascarada pela realidade palpável do envelhecimento, à conclusão semelhante ao Eclesiastes - 'tudo é vaidade'; mais, em The Green Helmet and other poems (1910) está o elíptico soneto The fascination of what's difficult. Menos utópico, mais melancólico, embora emanando a 'estranha felicidade', tragic joy, da qual certa vez falou Yves Bonnefoy sobre o poeta.
Sem titular comparações sórdidas de psicobiografia, suas constantes desilusões com a ativista irlandesa Maud Gonne são elemento importante na análise de sua obra e foram responsáveis por magníficos poemas de remorso escritos em nosso magro século. Desta musa inspiradora/maledicente segue o poema abaixo, publicado em The Green Helmet:

SEM SEGUNDA TRÓIA. (1916)

Por que culpá-la por encher minha existência
De miséria e, mais tarde, enquanto a ação expande,
Aos ignorantes ensinar a violência,
Ou atirar rua pequena contra grande,
Mesmo sem a coragem que o anelar reclama?
Como seria tranquila, com aquela mente
Que a nobreza moldou singela como a flama?
Ou com o encanto do arco retesado, um ente
Não natural em nosso mundo, por seu jeito
Muito severo e sempre altivo e singular?
Ora, sendo como é, que mais teria feito?
Havia nova Tróia para ela queimar?

[In: VIZIOLI, Paulo (trad.). Poemas de W. B. Yeats, São Paulo: Companhia das Letras, 1992]

*

NO SECOND TROY. (1916)

Why should I blame her that she filled my days
With misery, or that she would of late
Have taught to ignorant men most violent ways,
Or hurled the little streets upon the great,
Had they but courage equal to desire?
What could have made her peaceful with a mind
That nobleness made simple as a fire,
With beauty like a tightened bow, a kind
That is not natural in an age like this,
Being high and solitary and most stern?
Why, what could she have done being what she is?
Was there another Troy for her to burn?


Poemas nos quais o verso miltoniano se quebra; ou melhor, solta-se Cabe aqui traçar paralelo com dois autores: um em nossa língua, outro norte-americano. A quem ainda não o conhece, comparar Yeats, em sua trajetória e ânimo, a nosso poeta menor, Manuel Bandeira, ilumina: ambos foram 'pontes' entre a poesia do mauvais siècle e do bright new century; além, emergiram como vozes individuais impassíveis de serem presas aos cadernos escolares. Ambos foram, em suas respectivas línguas, os maiores poetas líricos de seu tempo. Outro paralelo interessante, este feito pelo crítico canadense Hugh Kenner, é com Henry James, a ponte entre o século XIX e o XX, o primeiro a intuir o (new) sense of one's own age naquele fatídico jogo de futebol americano. James era, segundo Pound, aquele que 'morto, não há mais a quem perguntar sobre nada'. Yeats também o foi na poesia: Pound mudou-se para Londres justamente por considerar Billyum o 'poeta que mais entende sobre o verso' àqueles dias.
Um outro poema, publicado em The wild swans at Coole (1919) e revisado em 1929, embora mantenha a métrica formal, investe contra idéias estabelecidas em sua disposição estranha de sílabas e em conteúdo:

OS ACADÊMICOS (1929 ver.)

Péla-cabeças, ciosos do pecado,
Doutos, vetustos, pélas admirados,
Editam e analisam verso-a-verso
Que outrora jovens em divãs largados
Rimaram em paixão e tibiez
À orelhinha ignorante da beleza.

Agitam-se e engasgam-se com tinta;
Arrastam o carpete nos sapatos;
Assumem o que todos outros pensam;
Afastam quem não têm averiguado;
Que diriam, a torto e a direito,
Se Catulo rebolasse desse jeito?

*

THE SCHOLARS (1929 ver.)

Bald heads, forgetful of their sins,
Old, learned, respectable bald heads
Edit and annotate the lines
That young men, tossing on their beds,
Rhymed out in love's despair
To flatter beauty's ignorant ear.

All shuffle there, all cough in ink;
All wear the carpet with their shoes;
All think what other people think;
All know the man their neighbour knows.
Lord, what would they say
Did their Catullus walk that way?

Investida quasi-poundiana contra o mundo acadêmico.

Na fase final da poesia yeatsiana, novos contornos tangem aquele platonismo reativo ao mundo das idéias. Mergulha o poeta numa mística visionária e espiritual complexa, calcada em Blake, Swedenborg e no historismo de Vico. Há muito Yeats flertara com ocultismos afins; o poeta participara durante longo tempo da Ordem Hermética do Alvorecer Dourado; realizava seções mediúnicas com sua esposa, George. Interessou-se pela escrita automática, comunicação com o Tártaro ao intuir do poeta. Para a compreensão deste período, refiro à obra do próprio Yeats, A vision (1925; 1937), onde o autor delimita sua filosofia do tempo transcendental e sua relação com a história mundana (os 'vórtices') e, no meio, o indivíduo. Não se deve entender que esta guinada ao misticismo retoma o idealismo juvenil do poeta: maduro, Yeats concilia-se com as turbulências políticas de sua época, no belíssimo Easter, 1916 (a terrible beauty is born). Ademais, através da dialética estético-metafísica delineada em A vision, Yeats tentará unir o ideal do real num movimento incessante, cá o imóvel ponto do mundo que gira no qual dança Michael Robartes. Projeto este que domina sua produção final, mas que, problematizado, não apela a conclusões fáceis. O sensível ainda discorda do ideal em termos. Tornam-se temas preponderantes desta terceira e última fase o tempo e a mortalidade. Poemas tornam-se mais herméticos.

A SEGUNDA VINDA. (1919)

Rodando em giro cada vez mais largo,
O falcão não escuta ao falcoeiro;
Tudo esboroa; o centro não segura;
Mera anarquia avança sobre o mundo,
Maré escura de sangue avança e afoga
Os ritos da inocência em toda parte;
Os melhores vacilam, e os piores
Andam cheios de irada intensidade.

Aí vem por certo uma revelação.
Por certo próxima é a Segunda Vinda.
Segunda Vinda! Digo essas palavras,
E do
Spiritus Mundi vasta imagem
Turba-me a vista: ao longe, no deserto,
Um corpo de leão com rosto de homem,
O olhar vazio e duro como o sol,
As lerdas coxas move, enquanto em torno
Rondam sombras de pássaros coléricos.
Retorna a escuridão; mas ora eu sei
Que a vinte séculos de sono pétreo
Vexou o pesadelo de um bercinho;
E que rude animal, chegado o tempo,
Arrasta-se a Belém para nascer?

[In: VIZIOLI, Paulo (trad.). Poemas de W. B. Yeats, São Paulo: Companhia das Letras, 1992]

*

THE SECOND COMING. (1919)

Turning and turning in the widening gyre
The falcon cannot hear the falconer;
Things fall apart; the centre cannot hold;
Mere anarchy is loosed upon the world,
The blood-dimmed tide is loosed, and everywhere
The ceremony of innocence is drowned;
The best lack all conviction, while the worst
Are full of passionate intensity.

Surely some revelation is at hand;
Surely the Second Coming is at hand.
The Second Coming! Hardly are those words out
When a vast image out of
Spiritus Mundi
Troubles my sight: somewhere in sands of the desert
A shape with lion body and the head of a man,
A gaze blank and pitiless as the sun,
Is moving its slow thighs, while all about it
Reel shadows of the indignant desert birds.
The darkness drops again; but now I know
That twenty centuries of stony sleep
Were vexed to nightmare by a rocking cradle,
And what rough beast, its hour come round at last,
Slouches towards Bethlehem to be born?


Alguns críticos tiveram a pachorra de definir estes anos finais como 'prosaicos'. Erro: neste período - pós-'20s - encontramos os versos mais memoráveis do autor em Sailing to Byzantium, Among school children, Two songs for a play, A dialogue between self and soul. Pois diferente de muitos poetas que definham na velhice (a Yeats, perigosamente Wordsworth), a produção do irlandês em seus anos finais ainda impressiona. Torna-se o poeta polêmico, virulento, abandona as papas na língua. Faz parte das duas décadas derradeiras os livros Michael Robartes and the dancer (1921), The tower (1928) e The winding stair and other poems (1933). No término de suas publicações em vida estão os New Poems (1937) com Lapis Lazuli e o irônico What then?.

O próprio poeta empreendeu uma revisão de sua obra em diversas biografias, e no poema tardio The circus animals' desertion, destaque de sua última coleção de versos líricos, o póstumo Last poems (1939) com Long-legged fly, onde o poeta detém três figuras histórico-mitológicas - César, Helena, Michelangelo - em momentos de decisão pessoal que acabaram por mudar os rumos da história, numa reflexão semelhante às de Kaváfis.
Concilia-se o poeta com a própria morte em Cuchulain Comforted - composto dias antes desta o visitar.

CUCHULAIN CONSOLADO. (1939)

Um homem tinha seis golpes mortais, um homem
Violento e meritório vagava entre os mortos;
Olhos despontam dos arbustos, logo somem.

Sudários uns que sussurravam ombro a ombro
Vieram e sumiram. Sobre sangue e golpes
Como se meditasse, se escorou num tronco.

Um Sudário cujo semblante era notório
Veio mediante os canoros seres, cedendo
Um feixe de linho. E os Sudários, pouco a pouco,

Ante o homem inofenso iam bruxuleando.
E o Sudário-linheiro aferiu sem demora:
'Tua vida será tão mais doce se fiando

'Um sudário seguires nossa velha norma;
Somente tanto e pelo pouco que sabemos
O agito daqueles braços nos atemora.'

'No olho d'agulha erramos; tudo que fazemos
Fazemos em conjunto.' Dito e feito, o manto
empunhou o mais próximo e trouxe o fiamento.

Agora cantaremos, e o melhor cantemos,
Porém antes lhe revelamos nosso ganho:
Covardes todos nós, talhados pelo sangue,

Ou dele expulsos, reles a morrer de pranto.'
Cantaram, mas não era humano o tom e o coro,
Contanto fora tudo feito como dantes;

Cingiram suas gargantas e tinham-nas canoras.

*

CUCHULAIN COMFORTED. (1939)

A man that had six mortal wounds, a man
Violent and famous, strode among the dead;
Eyes stared out of the branches and were gone.

Then certain Shrouds that muttered head to head
Came and were gone. He leant upon a tree
As though to meditate on wounds and blood.

A Shroud that seemed to have authority
Among those bird-like things came, and let fall
A bundle of linen. Shrouds by two and three

Came creeping up because the man was still.
And thereupon that linen-carrier said:
'Your life can grow much sweeter if you will

'Obey our ancient rule and make a shroud;
Mainly because of what we only know
The rattle of those arms makes us afraid.

'We thread the needles' eyes, and all we do
All must together do.' That done, the man
Took up the nearest and began to sew.

'Now must we sing and sing the best we can,
But first you must be told our character:
Convicted cowards all, by kindred slain

'Or driven from home and left to die in fear.'
They sang, but had nor human tunes nor words,
Though all was done in common as before;

They had changed their throats and had the throats of birds.

* * * * *

A melhor edição atual da poesia de Yeats é a da Scribner anotada por Richard J. Finneran, disponível em capa-dura (& mais completa) e brochura. Toda a obra de Yeats, peças inclusas, vem sendo publicada pela mesma editora já há algum tempo; resta apenas a revisão de A vision, de 1937, completando os quatorze volumes. Como introdução, o estudante encontra ótimo material na edição da Major Works (ed. Edward Larrissy) da Oxford. Àqueles que pretendem iniciar um estudo sério do poeta, recomendo a edição crítica da Norton (ed. James Pethica), com textos de Eliot, Pound, Perloff, Heaney &tc. Em nosso idioma luso, a melhor tradução do poeta é aquela de Paulo Vizioli para a Companhia das Letras, hoje esgotada, encontrado com facilidade em sebos. Augusto de Campos transcriou outro punhado na Poesia da recusa; Péricles Eugênio da Silva Ramos também em Poemas, pela Art editora; Nelson Ascher selecionou alguns no indispensável Poesia alheia; Ivo Barroso um resto em O torso e o gato. Para o francês, ainda famosa é a transcriação de Yves Bonnefoy; mais recentes são as de Jean Briat.

A lápide de Yeats está em Drumcliffe, condado de Sligo, Irlanda; onde an ancestor was rector there / long years ago, a church stands near, / by the road an ancient cross. Lá, under Ben Bulben, quereria ele ser enterrado, como se lê no epitáfio epigramático, conclusão do poema homônimo:

Cast a cold eye,
On life, on death,
Horseman, pass by!


Morreu em Menton, França, em 1939; ao tempo da invasão nazista, ordenou-se que fosse retirado e jogado em vala comum. Após a Guerra e muita discussão, seu "corpo" - um caixão qualquer - retornou à sua pátria. São ínfimas as chances de sequer um osso ser do poeta. Assoma o mistério da figura, e também irônico, mesmo se triste, que seus restos mortais perderam-se entremeio a ralé operária, ao passo que em sua cova sobram, como as dúbias relíquias dos santos medievais, ossos das vítimas anônimas da guerra.

Meedle-ag'd Billyum no vira-séculos, 1900s

Indeciso quanto aos seus versos - considerava a publicação mera etapa na produção autoral, sequer a última - e sua posição pública - debatente entre o ímpeto de atuação direta na história e o desejo de quietude em Thor Balylee -, Yeats, de Flaco tua estirpe, you were silly like us.

Um comentário:

  1. excelente escrita a respeito do gênio que WB Yeats foi. Um belo panorama sobre suas obras e respectivas características. Parabéns.

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